terça-feira, 22 de novembro de 2011

Não sem calor

*Por Carolina Nahuz

Tudo começa com corpos em movimento. Não existe vida na inércia. No sossego. Sem calor. Quando as ideias se batem, quando o mundo conspira com os choques, quando a força que impele é maior que a que repele, aí, sim, há vida. Há pulsar. É no tilintar das taças uma contra a outra, no brinde ao contraditório, na certeza da dissidência em cada palavra que mora a intriga. A inquietude.

Nada seria mais justo que a incerteza. A propulsão do querer é proporcional à vitória, pretendida, mas não assegurada nem ao mais valente. O desafio não é atraente. É vital. No improviso ou na estratégia, a guerra é ganha pelo talento, a despeito da força que se imprime contra o oponente. Se o que está à mão satisfaz, o que está ao toque dos nossos dedos fará de nós gente cercada do palpável, ausente do possivelmente inviável. Apenas oco cheio do supérfluo, que atrai até ficar fora, sem espaço para caber do lado de dentro. Sem fôlego novo, nenhum território seria conquistado, nenhuma mina, explorada, nenhum jogo, vencido. Mas se não fugir ao controle, nunca valeu a pena. 

Como construir verdades? Certezas? É na intenção da descoberta que se dá a troca. Ou a venda. Como queira. Paga-se quanto acha-se valer. A mesma confusão das interpretações diversas, adversas, traz o descortinar de alguma realidade, em comum. No clarão, as verdades cegam, ofuscam. À meia luz, ainda lampejam. No escuro, elas sussurram incertezas, até se apagarem como vela ao vento. E a única que fica, a chama do desejo, incontestável e intocável, embora até o fim tocada. 

E quem disse que aquelas verdades seriam permanentes? Incomodaram porque era manhã, mas se o sol se põe, a claridade muda, como todo bom dia. E o que era claro turva-se, até que os olhos se fechem. E em nós só penetre a luz das palavras bem ditas, dos corpos imersos. Não há prazer maior que o alinhamento perfeito. Vitória no empate. Jogo decidido no tira-teima.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Sim, nós falamos a mesma língua


Sim, nós falamos a mesma língua.

O ponto de partida no mapa não teve importância. Nem a trilha que traçamos. Onde nos encontramos é o que interessa: a interseção. Os dialetos que aprendemos por cada pedaço de onde estivemos agora nos pertencem. Fazem parte de quem somos. Permitem que sejamos uma mistura em constante mutação. Somos poliglotas na pronúncia e na interpretação. Dos outros. 

À medida que as Línguas se conectam, nasce a cumplicidade. E a descoberta é mais intensa toda a vez que a autorização para a visita é dada. Quando o ritmo se imprime e a sincronia se estabelece, não falta nada. O visto foi concedido e a viagem certamente será boa. Se os países divergem na política mundial, se são rivais econômicos, nada disso faz mais sentido. Se o interesse é real e há vibração a cada palavra, nem as culturas resistem. 

O som das palavras, a melodia que encontram, o eco que provocam em nós valem a pena. Sempre valeram. O sorriso é universal. Não muda nada a língua em que se fala quando todos os meus sentidos se interessam em entender. Em captar. Em viver. Se eu me volto pra ti e escuto o teu sussurro ou o teu grito, me recomendo a resposta. E a suave compreensão nos aproxima e atiça a vontade de conhecer.

Saber o que tu queres não me fez a melhor das intérpretes. Mas me fez suficientemente capaz de te ler. E o sabor que as palavras ganham quando são pra ti me satisfaz. A tua perspicácia estimula o meu desejo com ou sem palavra alguma. Porque as línguas que falamos um pro outro se encontram tão bem quanto as que deixamos que nos toquem dentro de nós.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Receita do não-fazer

Não me leva aonde eu não posso chegar sem saber o caminho de volta. Não me diz o que eu quero ouvir esperando que eu reaja conforme teu desejo. Não joga sujo pra eu te dar carta branca. Não me telefona pra sentir meu tom. Não me segue se tu não consegues andar nos trilhos.

Não tenta me deixar quando a noite calar, eu escuto o sussurro da tua partida. Não me prende tentando te livrar. Não finge a dor que tu sentes. Não para querendo voar. Não me incita pensando te salvar. Não me força a te ler no escuro. Não me atira de cima do muro. Não viaja com a minha bagagem. Não me cega apostando que eu caio. Não me vira pra esconder o teu erro. Não me joga a toalha na cara. Não detalha a história antiga. Não me impede de comprar tua briga.

Não trama o mal por bondade. Não sacode a poeira pra dentro. Não me deita invocando meu sono. Não anima o meu tanto faz. Não me promete mãos atadas, Não adia esperança atrasada. Não me leva no banho maria. Não me frita até que eu esquente. Não prega se não quer ficar junto. 

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A[e]nunciado de um fim

Tudo é uma questão de tempo, como diriam os sábios. Onde e a quem aplicá-lo. Como dedicá-lo. Em que investi-lo. Quando começar, quando terminar. Se tempo é dinheiro, atribuem mesmo a ele valor. Um valor inestimável, eu diria. A vida corre e os prazos que fixamos também. As metas, os meios para chegarmos a elas, enfim, tudo prescinde de tempo. Além de valioso, ele serve como termômetro.
Se queremos que uma dor passe, é ele o nosso herói. Desejamos que corra ao nosso encontro. Se esperamos um atendimento de emergência numa fila de hospital, vira vilão, quando o perdemos sem tê-lo. Perder sem ter é aliás um sofrimento singular. É o engano do abraço de olhos fechados. A segurança de uma presença ausente, quando de fato o calor da entrega completa resume-se a venda que cedo ou tarde cairá de nossos olhos mostrando nossa real distância. E o que parecia enlaçar-se em nós agora escorre pelos dedos.

Amar não se aprende. Se vive. Todo dia. É um cotidiano de rendição e redenção. Naturais e esforçadas. Atenção. Cuidado. Carinho. Preocupação. Intensidade. Quando o coração se dispõe a receber, ele já passou pelas preliminares. Experimentou o bom gosto da entrega.
Meu modus operandi só diz ao meu respeito. Não ao do outro. Quando nos conectamos a alguém são as lentes dele que devemos pedir emprestadas. É por aquele olhar, ao qual queremos sempre brilhante, que devemos enxergar. Ao menos sobre o que ele vê colorido ou preto e branco no amor. No amor que ele vislumbrou para si.
Não se trata de mimo. Apesar de ser a mais fresca da atualidade, eu me viro. Não verto
em cobranças e exigências. Decidi me abster delas. E guardar pra mim. Talvez essa seja
uma das minhas primeiras cobranças hoje. E o lembrete colado em minha frente - no PC
- alerta pra minha [o]missão: não me esquecer de mim.

O bolo que se come só, procurando ao redor em busca de quem divida o olhar, o comentário e o garfo. A festa não é a mesma sem a mão dada por baixo da mesa ou a pausa para fotos conjugada. Os Lençóis na viagem do final de semana parecem mais enrolados do que de costume. O que eram barreiras pequenas agora se agigantam, crescem. A diversão some. E a beleza se restringe. A natureza continua lá, colorida e esplêndida, mas o barulho das risadas e o cheiro do meu perfume são abafados pela água batendo na lancha e o odor característico da mistura de manguezal.
Na solidão, apenas as dúvidas nos acompanham. Elas são fieis, não nos deixam. Esvaem-se os sonhos conjuntos, os sorrisos sem motivo e os planos mirabolantes de construir tudo. O castelo à beira-mar cercado de praticidade vai embora na mesma velocidade em que a maré sobe e desce para derrubá-lo. Na verdade, uma casa realmente segura precisa de fundamentos. Pressupõe trabalho e esforço. Pra ficar da maneira que o projetista idealizou, conforme o arquiteto planejou.
Sei que a expectativa sempre me consumiu. Assumo irrevogavelmente a necessidade de ser ouvida, amparada e protegida. Bem assim, como toda mulher. Não creio que as minhas lentes estivessem embaçadas quando te vi capaz de fazê-lo por mim. De ter-me em teus braços e me levar a acreditar que tudo iria bem. Esperar de ti nunca foi ilusão. Foi apenas fazer real o que sempre foi potencial. O erro foi ver além. Ver o que ficou oculto pra ti.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

De casa



Por que ilustro? Às vezes por achar mais simples, às vezes por estilo, às vezes só por exercício. Na tentativa de me fazer entender, na ânsia de traduzir os pensamentos fervilhantes, na angústia de te autorizar a conhecer o que sinto, em uma aflição que predomina e cria novas realidades na minha mente. Segue a mais corajosa das minhas parábolas.


Entrei porque vi uma fresta. Sou jornalista. Sou curiosa. A tua falta de dose me excita a saber mais. Não conhecia eu o tamanho da minha oportunidade de espreita. Se era um “olho mágico” a me admirar ou mesmo apenas a me vigiar, cedeu espaço. Justo a mim. Que não me contenho ante a nenhuma entrada. Que pulo o muro quando preciso – mas não desta vez.
O “olho mágico” que piscou pra mim me atraiu. Sem volta. Agora era eu que o encarava secamente, mas segura do que queria desvendar. Fosse uma persiana na janela, fosse uma farpa ao acaso retirada do portão da tua casa, só o que eu sei é que me permitiste.
No impulso de espiar sem ser notada – não era invasão o que fazia -, limpei os pés no tapete de boas-vindas e também me permiti. No campo das autorizações, estamos quites.
Dali para os detalhes eram passos. Não eram. Aquela casa parecia um armário sem fim. Gavetas, portas, caixas, tudo guardado. Escondido. Camuflado. Mas, depois de dentro, não tem conversa. Milimetricamente eu te sondei. Te revistei. Percebi. Coletei. Dados, indícios, associações. Achei tanto o lixo por baixo do tapete quanto as jóias no cofre, atrás do espelho. Espelho esse viciado. Te refletia como tu desejavas, mas a imagem era falsa. Pior: a real era ainda mais atraente.
E nas roupas marcadas por teu suor, nos perfumes que exalavam quem tu pensavas ser, havia somente uma profundidade rasa. Era o teu desejo de ser prático e a tua complexidade que lutavam em cada utensílio no quarto e em cada presente na prateleira. Tua mania de tecnologia e teu afã por malhação não foram capazes de aliar o conforto ao exercício. E contradisseste de novo.
Sinto-me sutil. Ao mesmo tempo, ardil. Na verdade, o peso do meu corpo não fez diferença quando optaste por me notar. Perceberias mesmo sem um movimento sequer, sem um barulhinho que fosse. Vestígios ao longo do tempo em que estive por ali deixei vários. Pistas que nunca pediste. De repente, me achaste.
O tempo passou. E as aulas me serviram. Nos encontramos no quarto. E a tua surpresa foi eu estar deitada. Incólume. Calculando qual lado do espelho dizia a verdade. Já que estamos aqui, deixa-me recostar no teu peito. E já resolvemos o que nos é de direito.
Durmo e me sinto viva. O teu lado – qualquer que seja ele – me desmonta e remonta. Hora de voltar ao café. Não me dispus a preparar a comida. Não sei até que ponto sou de casa ou sou visita. Sento à mesa. Enfim, tirar as cartas das mãos e das mangas. Hora de descê-las à mesa.
Me inquires sobre como estava lá. Desde quando, quem me deixou chegar. E ficar. Tu sabes que foste tu, eu penso. Mas não ouso falar. Balbucio. E agora que estou, quero estar sempre. Fazer o macarrão daquele sábado, levar a pipoca e a coca light pro filme de mais tarde, ouvir nossas canções e cantá-las junto. Essa é a minha vontade. Mas se tu disseres que minha presença é escamoteada, que eu roubei a chave ou ainda que queres que eu vá embora, tranquilo. Levaria comigo lembranças e certezas e as poria bem guardadas. Seria a vez de tirar o carro de onde parei e seguir em frente. Melhor seria aprender a estacionar o carro na garagem.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Será que eu tenho Razão?


Não, tu não tens. Não se tu te limitares a julgar as razões desse texto antes mesmo de lê-lo. Me lembro de ter pensado muito em algo dito por algum poeta, que inclusive publiquei: O amor tem razões que a prórpia razão desconhece.

Acabei rastreando minha mente e me deparando com outra frase que diz: Sou todo coração. Ainda assim, sou capaz de listar motivos. Elencar razões.
Pensando sobre o que leva o meu coração a se inclinar ao teu, achei encantadoras respostas. Quero reparti-las contigo, embora ache que as razões reais são abstração, são intangíveis. O que supera a explicação se concretiza na alma.

Gosto da falta de monotonia. Sempre me atraiu. É um dos meus maiores prazeres no jornalismo. Não saber o que vem pela frente, não cair na rotina, não esperar pela repetição. Imprevisibilidade, surpresa, como quiser chamar. Só sei que me instiga, que me faz desejar, sim, o novo, e me impele à aventura nossa de cada dia. Bom, né? Pra mim, tu funcionas assim. Tá certo que instabilidade irrita, mas o frio na barriga não tem preço. Nada entediante.

A brincadeira que nunca termina, o jeito leve de encarar tudo e a possibilidade de transformar cada gesto e palavra em risada sempre me despertam expectativa, vontade de aproximar. Quando se é criança – não por imaturidade, mas por escolha de estilo – se vê tudo colorido.

O empenho no que se quer é requisito para se ter. Dedicação, determinação, disciplina, interesse. Manter o foco e não conter os esforços. São realmente razões pra ser vencedor.

Poderia descrever mais marcas que gerariam a minha admiração. Mas paro por aqui, porque até agora pude provar que teria alguma Razão. Tudo o que falei até esta linha se valeu dela.

A partir daqui, eu exibiria controvérsias, expondo tudo o que me intriga e me faz jogar a tentativa de compreensão pra escanteio. Os porquês me vêm como tempestade à cabeça, mas decidi deixá-los aqui, quietos. Não seriam úteis a ti. O que de fato pude constatar é que a despeito de como seja o retorno, apesar de toda inconstância, o querer bem existe. Independente da ocasião ou da circunstância, o essencial é torná-lo aparente. Confiantemente presente. Irrevogavelmente consciente. Fiel, eternamente. 

Vai um tira-gosto?


É porque é fácil. Por isso. Estar em um lugar recebendo o que se quer e não havendo troca. Graça de menos, conversa de menos, inteligência de menos, nada de amor. Uma espécie de tira-gosto, enquanto o prato principal fica ali, esperando esfriar. É saudável, nutre, fortalece, deixa o que há dentro de nós robusto. Mas, para que? Há tira-gostos de todos os tipos. Eles saciam a fome momentaneamente. São mais baratos, práticos. Estão prontos, no ponto do consumo. É um infalível fast food. São de fato úteis para o que se propõem: satisfazer um desejo.

Entretanto, são gordurosos. Engordam. Fazem mal por faltar neles consistência, sustância, conteúdo. Frita a batata, trincha o filé, corta o queijo...faz rápido e ingere. Comida? Engano?

Pratos elaborados dão trabalho. Fazê-los exige tempo, requer especialidades. Ingredientes de boa qualidade, chefs bem preparados. Enfim, detalhes de beleza e equilíbrio, que compõem uma dieta balanceada e alimentam. Cores, vida. Custam caro. Preço ao qual nem todo o mundo se submete. Que pode ser medido e facilmente relegado. Valor nem sempre reconhecido. Parece ser mais real optar pelo tira-gosto. Quanto você estaria disposto a pagar?